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Durante posse da presidência do TRT em Alagoas, procurador do MPT faz discurso de repúdio contra ataques do ministro Gilmar Mendes ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho

Rafael Gazzaneo demostrou preocupação com ataques que visam menosprezar o Direito do Trabalho no contexto nacional, e enfatizou a importância da Justiça do Trabalho como instrumento de inclusão social

Maceió/AL – Durante a solenidade de posse do presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 19ª Região, Desembargador Pedro Inácio da Silva, ocorrida nesta segunda-feira, 28, em Maceió, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rafael Gazzaneo demostrou preocupação com medidas e declarações que visam diminuir a importância do Direito do Trabalho no contexto do direito nacional. Em seu discurso direcionado a magistrados, membros do Ministério Público, autoridades e a imprensa, Rafael Gazzaneo repudiou as declarações do ministro Gilmar Mendes contra a Justiça do Trabalho.

O procurador do Trabalho lembrou das palavras de Gilmar Mendes, quando o ministro disse, em entrevista, que “A Justiça do Trabalho visa à hiperproteção dos trabalhadores” e falou, ainda, que existiria um “aparelhamento da Justiça do Trabalho e do TST [Tribunal Superior do Trabalho] por seguimentos desse modelo que advoga a hiperproteção dos trabalhadores”. Gazzaneo considerou as palavras do ministro como um deboche, quando milhões de pessoas no Brasil estão desempregadas ou sendo vitimadas por inúmeras irregularidades no trabalho.

Rafael Gazzaneo lembrou que milhões de pessoas no Brasil estão desempregadas (Ascom MPT/AL)
Rafael Gazzaneo lembrou que milhões de pessoas no Brasil estão desempregadas (Ascom MPT/AL)

“Eu não imagino como alguém que tem como dever funcional ser equilibrado e razoável possa se referir à Justiça do Trabalho como algo ‘aparelhado’ e que tenha esse objetivo de hiperproteger os trabalhadores, num país onde atualmente existem 12 milhões de desempregados, num país onde existe a maior rotatividade de emprego do mundo. Considero um escárnio e um deboche a fala do ministro supremo quando se leva em conta que no Brasil existem milhões de trabalhadores laborando sem carteira assinada, quando se sabe que existe uma quantidade ainda significativa de trabalho degradante, que muito se assemelha ao trabalho escravo, e quando se sabe que ainda existe um número expressivo de crianças trabalhando”, ponderou Gazzaneo.

Para o procurador do Trabalho, as inúmeras irregularidades ainda encontradas nas relações trabalhistas reforçam a necessidade da existência do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, como instrumentos capazes de promover inclusão social por meio da redução de desigualdades. Gazzaneo aproveitou a oportunidade para criticar a posição daqueles que buscam reformar os direitos conquistados há séculos pela classe trabalhadora.

“Para essas pessoas, a justiça e a inclusão social encerram anacronismos/velharias que precisam desaparecer do nosso ordenamento jurídico. E é justamente por isso que tanto insistem no tema “reforma trabalhista” como atalho para colocar em prática a precarização dos direitos trabalhistas, por meio da eliminação ou redução dos direitos consagrados na CLT, apostando, ainda, no enfraquecimento da Justiça do Trabalho”, ressaltou.

Para Gazzaneo, Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho promovem inclusão social por meio da redução de desigualdades (Ascom MPT/AL)
Para Gazzaneo, Direito do Trabalho e Justiça do Trabalho promovem inclusão social por meio da redução de desigualdades (Ascom MPT/AL)

Rafael Gazzaneo concluiu: “Espero, sinceramente, pois, que esse pensamento, que insiste em endeusar em excesso “a economia de mercado” como solução mágica para os nossos problemas, saia derrotado mais uma vez e que prevaleça, conjuntamente com a ideia da livre iniciativa, a necessidade de justiça social, distribuição de renda e redução das desigualdades”.

Magistrados, membros do Ministério Público e autoridades participaram da cerimônia de posse (Ascom MPT/AL)
Magistrados, membros do Ministério Público e autoridades participaram da cerimônia de posse (Ascom MPT/AL)

 

Confira abaixo o discurso do procurador Rafael Gazzaneo, na íntegra:

                                Boa tarde a todos! Em primeiro lugar, representando o Ministério Público do Trabalho, gostaria de cumprimentar as autoridades aqui presentes, senhoras e senhores, nas pessoas do Desembargador Pedro Inácio e da Desembargadora Vanda Lustosa, que hoje assumem, respectivamente, a Presidência e a Vice-presidência desta Corte.

                                Gostaria de iniciar tratando de um assunto que, apenas aparentemente, nada tem a ver com essa solenidade de posse. Há alguns dias, deparei-me com raciocínio de um professor famoso, identificado com as chamadas políticas neoliberais. Esse raciocínio, que viralizou na internet, dizia o seguinte: “Não quero nem saber desse negócio de desigualdade. Desigualdade, para mim, é inveja”.

                                Eu interpretei essa frase como algo que, de certa forma, contraria o espírito e a razão de ser do Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho, como ninguém ignora, foi imaginado e criado com a finalidade de reduzir as desigualdades existentes entre a parte fraca e a parte forte da relação jurídica de emprego. E o seu objetivo é exatamente tentar proteger quem é vulnerável nessa relação. Dentro desse contexto e diante do juízo desse economista, eu me senti acusado de ser um sujeito invejoso. E me senti mal com essa conclusão, quando, então, constatei desolado: a que ponto chegamos!

                                Ora, quem se identifica com o Direito do Trabalho continua, obviamente, compreendendo a sua importância no mundo atual e particularmente no Brasil, não podendo ser rotulado ou taxado de invejoso. Logo, sinceramente, não posso jamais concordar com o carimbo de invejoso, pois quem se preocupa com a redução das desigualdades; quem se preocupa com a inclusão social; quem se preocupa com a dignidade daquele que vende a sua força de trabalho, não pode jamais ser considerado invejoso.

                                E essa preocupação, considerando o momento particularmente grave da vida nacional, deve ser reforçada no presente momento histórico por todos aqueles que têm apreço e amor pelo Direito do Trabalho. Nesse sentido, merece o nosso mais veemente repúdio os sérios ataques que vem sofrendo o Direito do Trabalho, ataques esses que pretendem claramente diminuir a sua importância - e a importância da própria Justiça Especializada do Trabalho - dentro do contexto do Direito Nacional.

                               A propósito, fala-se muito numa reforma trabalhista que está em vias de ser examinada pelo Congresso Nacional, aí incluída a liberação ampla da terceirização, cuja finalidade clara, em última análise, é a de reduzir e precarizar ainda mais os direitos dos trabalhadores.

                                É importante destacar que se revela falsa a ideia de que a chamada reforma trabalhista em estudo vá ampliar o número de postos de trabalho. Na verdade, como já ressaltado, visa apenas a redução dos direitos trabalhistas, trazendo com ela mais insegurança econômica e jurídica.

                                Vale lembrar, nesse sentido, que causou espécie uma entrevista concedida pelo mais supremo dos ministros do STF, na qual ele se referiu à Justiça do Trabalho e, sobretudo, ao Direito do Trabalho, como sendo um direito que protege em excesso o trabalhador. As suas palavras foram as seguintes: “A Justiça do Trabalho visa à hiperproteção dos trabalhadores”. E, logo em seguida, disse que existiria um “aparelhamento da Justiça do Trabalho e do TST por seguimentos desse modelo que advoga a hiperproteção dos trabalhadores”. Tal afirmação, a nosso ver, encerra um escárnio, um deboche com os trabalhadores e com todos aqueles que atuam na Justiça do Trabalho e que fazem o Direito do Trabalho.

                                Eu não imagino como alguém que tem por dever funcional ser equilibrado e razoável possa se referir à Justiça do Trabalho como algo aparelhado e que tenha esse objetivo de hiperproteger os trabalhadores, num país onde atualmente existem 12 milhões de trabalhadores desempregados; num país onde existe a maior rotatividade de emprego do mundo – em média, um trabalhador brasileiro passa dois anos trabalhando em uma empresa – razão maior do número expressivo de demandas que chegam à Justiça do Trabalho.

                                Insisto: considero um escárnio e um deboche a fala do ministro supremo quando se leva em conta que no Brasil existem milhões de trabalhadores laborando sem carteira assinada, ou seja, trabalhando na mais completa informalidade; quando se sabe que no Brasil existe um número absurdo de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais, que causam um custo previdenciário enorme e sequelas que os trabalhadores têm que carregar pelo resto da vida; quando se sabe que existe uma quantidade ainda significativa de trabalho degradante, que muito se assemelha ao trabalho escravo; quando, até bem pouco tempo atrás, o trabalhador doméstico não tinha sequer hora para iniciar e encerrar sua jornada diária; quando se sabe que existe um número expressivo de crianças ainda trabalhando.

                                Essas e tantas outras situações é que geram a necessidade da existência do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho como está concebida nos dias de hoje, razão maior para que aproveitemos o momento para registrar o nosso mais veemente repúdio à fala do ministro supremo antes referida.

                               Resta aproveitar esse momento solene para destacar, ainda, que, prevalecendo essa visão preconceituosa contrária ao Direito do Trabalho e a existência da própria Justiça do Trabalho – sintetizada na verborragia gratuita do ministro supremo -, há o risco grande de se retroagir ao início do século passado, época em que o importante era a simples existência dos postos de trabalho. A classe trabalhadora, cem anos atrás, deveria se contentar com o emprego e, em regime indigno, laborar sem qualquer proteção em relação à quantidade de horas e sem qualquer proteção no que diz respeito à medicina e segurança no trabalho.

                                Tenho a impressão que as pessoas que abraçam essa cartilha liberal não têm nenhuma identificação ou nenhuma preocupação com a justiça social e com a necessidade de redução das desigualdades. Para essas pessoas, a justiça e a inclusão social encerram anacronismos/velharias que precisam desaparecer do nosso ordenamento jurídico. E é justamente por isso que tanto insistem no tema “reforma trabalhista” como atalho para colocar em prática a precarização dos direitos trabalhistas, através da eliminação ou redução dos direitos consagrados na CLT, apostando, ainda, no enfraquecimento da Justiça do Trabalho.

                 Essa corrente de pensamento consagra o chamado “mercado” como uma espécie de “entidade” única que deve organizar a sociedade. O “mercado”, sem dúvida alguma, deve ser prestigiado, uma vez que a Constituição consagra a livre iniciativa como princípio da ordem econômica. No entanto, a mesma Constituição que reconhece a iniciativa privada e a economia de mercado como pilares do nosso ordenamento, também reconhece a dignidade do trabalhador, a necessidade de distribuição de renda e de justiça social como fundamentos que têm que presidir o nosso Direito e a atividade dos nossos governantes.

                Espero, sinceramente, pois, que esse pensamento, que insiste em endeusar em excesso “a economia de mercado” como solução mágica para os nossos problemas, saia derrotado mais uma vez e que prevaleça, conjuntamente com a ideia da livre iniciativa, a necessidade de justiça social, distribuição de renda e redução das desigualdades.

                Feitas essas observações que achei pertinente fazê-las nessa solenidade, somente me resta reafirmar que Vossa Excelência - Desembargador Pedro Inácio - está, com a sua inteligência, tranquilidade e com o seu admirado senso de justiça, preparado e talhado para enfrentar, com o habitual destemor, os entraves atuais do Direito do Trabalho e da própria Justiça do Trabalho.

Tenho absoluta certeza que Vossa Excelência - Desembargador Pedro Inácio -, juntamente com os seus pares, em um momento em que a Justiça do Trabalho e o Estado brasileiro têm a necessidade de desenvolver suas atividades com recursos orçamentários escassos, saberá conduzir a Justiça do Trabalho aqui em Alagoas a um porto seguro e saberá defendê-la dos múltiplos ataques que tem sofrido.

                Conte com o apoio do Ministério Público do Trabalho para enfrentar esses desafios. Parabéns e muito obrigado a todos pela atenção.

 

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