Em projeto apoiado pelo MPT, organizações sociais entregam cestas básicas a 645 trabalhadores do setor de cultura de Maceió
Fórum de Teatro de Maceió, Associação Teatral Joana Gajuru, Movimento Povos das Lagoas, Frente dos Artistas e Técnicos de Alagoas e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Alagoas, Conselho Municipal de Políticas Culturais e Fundação Municipal de Apoio Cultural formaram uma força-tarefa para ajudar artistas da Capital
Maceió/AL – Sob a liderança do Fórum de Teatro de Maceió e da Associação Teatral Joana Gajuru, organizações sociais vinculadas à cultura concluíram no início de setembro a primeira etapa da entrega de alimentos, produtos de higiene e vale-gás para 645 trabalhadores do setor artístico no Estado de Alagoas. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Justiça do Trabalho apoiaram a iniciativa revertendo R$ 285,7 mil para o auxílio à categoria, que tem como marca o exercício informal da profissão, por isso uma das mais prejudicadas pela paralisação das atividades econômicas em tempos de pandemia de Covid-19.
Entre as organizações sociais que participaram da distribuição das cestas básicas, encontram-se o Movimento Povos das Lagoas, a Frente dos Artistas e Técnicos de Alagoas e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Alagoas (Sated/AL). Pelo Município de Maceió, fizeram-se presentes o Conselho Municipal de Políticas Culturais e a Fundação Municipal de Apoio Cultural. Uma força-tarefa montada por representantes de cada um desses atores facilitou a entrega do material aos artistas previamente cadastrados na lista que a Associação Teatral Joana Gajuru entregou ao MPT em junho.
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Alagoas, Rafael Gazzaneo, comemorou o sucesso na distribuição das cestas básicas, principalmente porque até o momento a Lei nº 14.017/2020, a Lei Aldir Blanc, sancionada em junho pela Presidência da República, ainda não saiu do papel no estado.
“Como todos sabem, os trabalhadores vinculados à cadeia cultural, que contempla as artes e o entretenimento, passam por uma situação de extrema penúria, vez que essas atividades praticamente estão todas paralisadas em razão da crise sanitária decorrente da pandemia do coronavírus. E o objetivo do MPT é, justamente, atender os trabalhadores que integram a cadeia cultural, notadamente aqueles trabalhadores mais humildes que necessitam de uma ajuda urgente, a fim de reduzir o sofrimento pelo qual estão atravessando", disse.
Responsável pela manifestação do MPT para reversão dos R$ 285,7 mil em benefício do setor, o procurador do Trabalho Cássio Araújo ressaltou a importância das atividades culturais para a coletividade: “Os profissionais da cultura, do segmento das artes ou da chamada economia criativa expressam, por meio do seu trabalho, a alma do povo brasileiro. Quando esse setor para, sentimos os impactos na nossa identidade enquanto nação, que fica sem sua manifestação cultural. Garantir a sobrevivência desses trabalhadores significa garantir a sobrevivência da nossa expressão coletiva, da alma da nossa sociedade”.
No final de julho, o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Maceió liberou o uso do valor em três etapas. Na primeira delas, foram disponibilizados R$ 123.195,00 para compra das cestas básicas e repasse do vale-gás, este no valor de R$ 65. As demais fases contarão, cada uma, com R$ 81.270,00 de uso exclusivo para aquisição de cestas básicas. A Justiça Trabalhista somente disponibilizará o acesso aos recursos das duas últimas etapas após prestação de contas mensal da respectiva fase anterior.
O dinheiro que beneficiará os trabalhadores do setor artístico alagoano tem como origem a indenização por danos morais coletivos paga pela empresa Engenharia de Materiais no âmbito do processo judicial da ação civil pública 0000362-07.2018.5.19.0005, de autoria da procuradora do MPT Eme Carla Carvalho.
Engajamento decisivo
A atriz e representante do Fórum de Teatro de Maceió, Ticiane Simões, foi figura central nesse movimento de defesa e execução do “Projeto Arte que te quero vida”, de autoria Associação Teatral Joana Gajuru, que permitiu a captação de recursos para confecção e distribuição de alimentos, produtos de higiene e vale-gás aos trabalhadores do setor de cultura. A liderança dialogou com o MPT por quatro meses em busca de apoio para ajudar o segmento, que, em virtude da informalidade, deixou de receber o auxílio-emergencial do governo federal.
“O pleito pelo amparo emergencial, o alimento de forma clara sempre esteve presente em nossas pautas desde o início da pandemia e com ela a paralisação das nossas atividades mantenedoras. Em nossa primeira carta aberta, trouxemos essa pauta como uma das ações que precisavam ser tomadas pelo poder público. Antes mesmo de obtermos respostas dos órgãos que deveriam propor ações em resposta à essa pauta, solicitamos amparo junto ao Ministério Público do Trabalho de Alagoas, onde, desde março, negociamos a doação de recursos para atender as necessidades dos artistas e fazedores de cultura do nosso estado”, destacou Ticiane.
A artista conta que a distribuição do material levou 10 dias, sendo oito destinados a atender a lista oficial do projeto e dois para remanejar as cestas que, por algum motivo (trabalhador conseguiu outra fonte de renda, por exemplo) não puderam ser entregues aos destinatários inscritos durante o processo de levantamento de beneficiados.
O prédio da Associação Teatral Joana Gajuru foi o principal ponto de concentração para a entrega das cestas. “Neste momento, mesmo exaustos, porque foram vários dias em plantão das 9h às 18h, sem sair da sede, contactando grupos e tentando acertar uma logística que nunca fizemos, afinal eram 645 pessoas, estamos gratos pela possibilidade de fazer algo e agradecidos pela confiança depositada pelo MPT. E isso tudo nos humanizou e nos aproximou ainda mais dos companheiros que labutam arduamente. A dor sentida e reconhecida no outro nos fez refletir para a nossa realidade: nossa própria vulnerabilidade”, concluiu Waneska Pimentel, diretora da associação que completou recentemente 25 anos de existência.
Ticiane e Waneska trabalham agora na fase de prestação de contas da primeira etapa junto ao Ministério Público do Trabalho para poder iniciar a segunda e terceira fases do projeto.
Trabalho coletivo
Para dar conta de entregar centenas de cestas básicas e ticket de vale-gás, o Fórum do Teatro de Maceió e a Associação Teatral Joana Gajuru contaram com o apoio da Frente dos Artistas e Técnicos de Alagoas, do Movimento Povos das Lagoas, do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Alagoas e do Município de Maceió, por meio do Conselho Municipal de Políticas Culturais e da Fundação Municipal de Apoio Cultural.
“Nesse momento de dificuldade econômica durante a pandemia, e levando em consideração a necessidade do alimento na mesa do artista, entregamos algumas cestas básicas na residência dele. Uma parte ainda consegue se deslocar do seu bairro para pegar a cesta básica na sede do Joana Gajuru, outra não. O vale-gás garante a entrega na residência por parte do fornecedor. Isto faz uma diferença enorme para quem tem outras contas para pagar todo mês”, conta Dinah Ferreira, da Frente dos Artistas e Técnicos de Alagoas, que ressalta a ajuda a artistas que se encontram em situação de rua e aos que são travestis e transexuais.
“O apoio do MPT aos grupos culturais do estado, todos os contemplados e, em especial, aqueles apontados pelo Movimento dos Povos das Lagoas, chegou numa hora extremamente necessária, auxiliando muitas pessoas em situações difíceis, que estão lutando pela sobrevivência mesmo. Artesãos se expondo para poder levar algum sustento para casa, dançarinas com filhos pequenos sem poder trabalhar, músicos com a família inteira em necessidade. São pessoas em situação de muita vulnerabilidade e sem apoio, que ainda vão demorar a ter algum trabalho. Assim, esse apoio chegou no momento certo”, disse Isadora Padilha, representante do Movimento dos Povos das Lagoas.
Nesse mesmo sentido, segue o relato da conselheira do segmento de Artes Visuais do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Maceió, Mila Pasan: “Como conselheira, eu tenho total percepção desse cotidiano da minha classe, que, numa boa parte das vezes, não tem um trabalho formalizado. Mas, mesmo assim, foi forte fazer isso, porque as pessoas quando receberam a cesta naquele sábado, já perto do horário do almoço... A cesta seria o alimento da pessoa naquele dia e por mais alguns dias! Foi muito tocante! Nos afetou porque ao oportunizar o outro o alimento, que é combustível para a vida, traz a sensação de que não é você que está fazendo por ele, e sim o quanto outro está contribuindo para você”.
“A ação foi muito importante para os artistas alagoanos. Possibilitou ajuda aos mais variados segmentos: artistas de rua, circo, cultura afro, música a técnicos de som e áudio. Foram 645 famílias que tiveram alimentos, material de limpeza e vale-gás, conseguindo um alento neste período tão difícil”, finalizou Amaurício de Jesus, pela Fundação Municipal de Ação Cultural de Maceió.
Os beneficiados
Um dos artistas beneficiados pela entrega dos alimentos e produtos de higiene foi Rafael Fonseca, do grupo Circularte, que atua em várias frentes de artes em Maceió. “A cesta me ajudou porque eu comi. Realmente, desde que iniciou a pandemia, artisticamente só tenho feito ‘sinal de trânsito’. Nem auxílio-emergencial eu recebi. Estou com tudo atrasado. Todas as contas de luz, de aluguel... Já estou para ser despejado. Eu fiquei muito emocionado, porque a cesta é muito boa, gigantesca. Serão três delas, fora o vale-gás”, relatou.
Opinião semelhante tem o artista Laércio Gomes, mestre de percussão do grupo Afro Dendê: “Olha, a forma como fui ajudado pelos movimentos de arte e cultura e pelo MPT foi de muita importância. A ajuda chegou em boa hora pois havia dias em que eu estava com as coisas faltando em casa. Já não tinha quase nada pra cozinhar. Foi aí que recebi o comunicado da Associação Cultural Joana Gajuru pra ir retirar a minha cesta básica. Então fiquei muito alegre por estar suprindo as minhas necessidades e as da minha família. E mais alegre fiquei porque seis músicos da Banda Afro Dendê também foram contemplados!”
As próximas rodadas de entrega de cestas de alimentos e de produtos de higiene deverão ocorrer nos meses de outubro e novembro.
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